3 de junho de 2011
Novo método tem maior taxa de sucesso contra o cigarro.
Tratamento à base de remédios faz mais ex-fumantes, com menos recaídas. Sistema atinge 55% de eficácia, mas deixa de lado a terapia, que aumenta as chances de vencer a dependência.
Um novo modelo de tratamento do tabagismo desenvolvido no InCor (Instituto do Coração) tem feito mais pessoas pararem de fumar, com menos chances de recaídas.
Cerca de 25 milhões de brasileiros acima de 15 anos são fumantes, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Chamado de PAF (Programa de Assistência ao Fumante), o modelo envolve três etapas: um diagnóstico mais preciso do grau de dependência, uma combinação de medicamentos e o uso de uma escala em que o médico vai medindo e tratando o desconforto causado pela abstinência do cigarro.
A cardiologista Jacqueline Scholz Issa, criadora do método, que está há 18 anos à frente do ambulatório de tratamento do tabagismo do InCor, diz que a taxa de eficácia do programa, no período de um ano, é de 55% -contra 34% da que existia cinco anos atrás. Os índices de desistência e de recaída caíram de 40% para 26%.
Esses primeiros resultados, obtidos a partir de 400 pacientes atendidos, foram apresentados à comunidade científica internacional em congresso no Canadá.
Eles também serviram de base para a elaboração de um software, que pode ser acessado via internet por médicos de todo o país. Centros públicos terão acesso grátis.
EMOÇÕES
O sistema permite saber quantos fumantes desistiram do tratamento, quantos sofreram efeitos colaterais dos remédios, quantos tiveram sucesso ou recaídas e quais as causas dos insucessos.
Ele também permite que o médico avalie melhor o grau de dependência do tabaco, levando em conta não só o número de cigarros fumados, mas também as emoções (prazer, ansiedade, tristeza) associadas a ele.
A partir desses dados, Issa desenvolveu uma metodologia de tratamento que considera, entre outras coisas, o grau de desconforto do paciente durante o período de abstinência.
"É a partir disso que se associa ou não medicamentos.
O tratamento vai sendo ajustado de acordo como grau de desconforto e é totalmente individualizado", explica.
As drogas mais utilizadas são a vareniclina (Champix) e a bupropiona (Zyban), além de adesivos e gomas de nicotina. Antidepressivos também podem ser usados.
TERAPIA
O programa não envolve abordagens de terapia cognitiva comportamental -o que é recomendado em programa do governo federal. Segundo Issa,uma boa relação entre o Médico e o paciente já garante o suporte necessário na fase de abstinência.
O tratamento dura, em média, três meses e demanda de quatro a cinco consultas. "O follow up [acompanhamento] também pode ser feito por telefone ou por e-mail", diz.
Médicos que trabalham com tratamento de tabagismo dizem que as taxas de sucesso do PAF são superiores às verificadas em outros centros, entre 30 e 40%. "Os resultados são maravilhosos", resume a psiquiatra Analice Gigliotti, chefe do setor de dependência química da Santa Casa do Rio.
O pneumologista Ricardo Meirelles, do Inca (Instituto Nacional do Câncer), diz ter gostado da proposta do PAF e do fato que ela considera que, mesmo pessoas que fumam pouco, podem ter alto grau de dependência.
Ambos acreditam, porém, que as chances de a pessoa abandonar o vício são maiores quando o tratamento inclui, além da medicação, abordagens de terapia cognitiva comportamental -técnica através da qual a pessoa tenta entender melhor suas emoções e modifica seu modo de agir. Só 10% das cidades do Brasil têm programas para tratar tabagismo
DE SÃO PAULO
Pouco mais de 10% dos municípios brasileiros têm programas de tratamento do tabagismo na rede pública de saúde. São 700 cidades de um total de 5.565.
Além de 30 centros ligados aos governos estaduais, desde 2004 o Ministério da Saúde Tem um programa que fornece às secretarias municipais de saúde as medicações (bupropiona e repositores de nicotina, como adesivos) e os manuais utilizados em sessões com abordagens terapêuticas, que discutem a dependência.
O ministério também avalia o custo e a efetividade de fornecer a medicação vareniclina (Champix) no SUS.
Em contrapartida, os municípios devem garantir uma estrutura de atendimento ao fumante e prestar contas de suas ações.
Entre as exigências, estão a contratação de profissionais capacitados, locais para atendimento individual e sessões de grupo e a garantia de fornecimento de equipamentos e de exames necessários durante o tratamento.
A unidade de saúde também deve ser livre de tabaco -ninguém pode fumar no seu interior.
DESINTERESSE
Segundo o pneumologista Ricardo Meirelles, da Divisão de Controle do Tabagismo do Inca (Instituto Nacional de Câncer), a principal dificuldade na expansão do programa tem sido a falta de interesse dos municípios em investir nos tratamentos.
"Falta conhecimento. Estamos avaliando uma forma de sensibilizar os gestores dos municípios que ainda não fazem parte do tratamento do tabagismo", diz ele. Além disso, Meirelles afirma que há uma dificuldade grande em fazer com que o paciente freqüente o programa até o fim do tratamento.
O Inca ainda não tem dados consolidados sobre as taxas de sucesso e de recaídas verificadas nos municípios que tratam o tabagismo. (CC)
DEPOIMENTO
"Já acordava pensando em cigarro"
"Comecei a fumar aos 12 anos, minha avó me ensinou. Naquela época, era comum reunir minhas tias e primas e todas fumavam. Como tempo, minha média passou a ser um maço por dia. Fumava em todas as situações, só parava quando estava atendendo os pacientes. Mesmo assim, a cada intervalo, corria para fumar um cigarrinho. Fumava até a hora de dormir e já acordava pensando em cigarro.
Há cinco anos resolvi parar. Meu marido deixou o cigarro há 11 anos e fazia pressão para que eu parasse também. Em casa, eu só fumava na varanda. Tentei várias vezes fazer isso sozinha, mas não consegui. Sou estressada, ansiosa, e o cigarro sempre foi meu porto seguro.
Cheguei a fazer um tratamento com Champix, mas tive que interromper. Tenho fibromialgia e, na época, as dores musculares ficaram intensas e minha médica pediu para cortar o remédio. Consegui ficar um ano sem fumar, mas, não resisti.
A vontade foi maior. Há cinco meses, resolvi tentar de novo, dessa vez com esse método [PAF]. Começamos com o Champix, depois associamos a fluoxetina [antidepressivo] e, por último, a bupropiona.
Só depois desses ajustes É que consegui lidar melhor com a abstinência. Não estou mais tão ansiosa.
De vez em quando, sinto vontade, especialmente em ambientes sociais com pessoas fumando e bebendo ou em situações de mais estresse. Mas, dessa vez, sinto que é para valer."
Fonte: Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia
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